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 Metáfora da Poesia Potiguar









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José Bezerra Gomes

Biografia


"Seu Gomes", como era conhecido José Bezerra Gomes, entre os companheirosJosé Bezerra Gomes

de vida literária, descendia de tradicional  família seridoense, os Bezerra de Araújo, e  viveu a infância no sertão do Seridó (Rio  Grande do Norte). Fez o primário no grupo  escolar capitão-mor Galvão, em Currais Novos,  e o ginasial no Ateneu Norte-rio-grandense, em  Natal. Bacharelou-se em 1936 em  Ciências  Jurídicas e Sociais pela Faculdade de  Direito  da  Universidade Federal de Minas  Gerais.

Pouco se sabe de sua atuação como advogado, mas é certo que dedicou-se por algum tempo às lides jurídicas, tendo mesmo viajado a Portugal em função de motivos ligados à sua profissão.

Voltando a morar em Currais Novos, em 1941, candidatou-se e foi eleito vereador à Câmara Municipal, onde apresentou projeto de lei, depois sancionado pelo prefeito, instituindo a Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura de Currais Novos. Foi o primeiro diretor e organizador do referido órgão. Participou, ainda, da elaboração do Estatuto do Centro Esportivo Currais-novense, e foi seu diretor durante dez anos.

Romancista, pensou em começar um Ciclo do Algodão, a exemplo do que José Lins do Rêgo fez com o mundo dos engenhos de açúcar.

A doença, no entanto, impossibilitou a realização desse projeto.

No campo do ensaio, publicou três livros, entre os quais O Teatro de João Redondo, extrato, pelo autor, de sua tese O Brinquedo de João Redondo - aprovada pelo primeiro Congresso Brasileiro de Folclore (Rio, 1951). Esta obra é fruto de uma pesquisa realizada pelo próprio José Bezerra Gomes sobre o mamulengueiro Sebastião Severino Bastos, talvez a primeira do gênero no Nordeste brasileiro. Outro aspecto interessante dessa pesquisa é que, quando surgiu a oportunidade de apresentá-la no primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, "Seu" Gomes fez questão de que Bastos o acompanhasse até o Rio de Janeiro onde, no recinto do evento, o mamulengueiro se apresentou com grande sucesso.

Os seus poemas foram recolhidos por Luis Carlos Guimarães, seu conterrâneo ilustre em 1974, numa Antologia Poética lançada em 1975.

Pela lei municipal 1.191/90, a Prefeitura de Currais Novos criou a Fundação José Bezerra Gomes como homenagem do povo currais-novense a seu ilustre filho.

(Deífilo Gurgel in 400 nomes de Natal)

(...) o Rio Grande do Norte irá conhecer outro ficcionista de peso, apenas na esteira do Regionalismo de 30. Trata-se do currais-novense José Bezerra Gomes. Sua estréia se dá com Os Brutos, no ano de 1938. Por filiar-se à tendência literária então vigente, o livro acabou lhe proporcionando, além de uma recepção animadora, alguns constrangimentos. Ocorre que esse pequeno romance embora tendo boa parte da sua ação no município de Currais Novos, haveria também de ressaltar um gigantesco problema social, motivado por inúmeros fatores, que deram notoriedade à mais importante ficção produzida no período.

Tornando por vezes, absolutamente impossível a sobrevivência no sertão castigado pela seca, a situação enfocada nessas obras desdobrava-se em duas perspectivas: a falência no sucessão patriarcal (pais e filhos no mais das vezes optando por uma formatura, um anel de doutor ou uma colocação no serviço público para os últimos) e os dramas dos despossuídos, forçados a se retirarem das terras para não morrer de fome. Embora do ponto de vista de denúncia social o romance escrito por José Bezerra Gomes, não revelasse nada de especialmente novo em dimensão e intensidade, tornava-se, pela agilidade narrativa, pelo tom algo naturalista e - sobretudo por aquela possibilidade de tomar modelos vivos como referência, objeto da curiosidade do público leitor potiguar.

O autor provinha de uma tradicional família de fazendeiros e, como a típica personagem de romance do período, acabaria se tornando bacharel de atormentada existência. E o discurso resultante da sua prosa é dominado por certa nostalgia de mando patriarcal, uma indefinição que, como se sabe, enriquecerá algumas das personagens mais elaboradas, psicologicamente falando, do romance de 30.

No caso de Gomes, como no de vários outros, com evidente conotação autobiográfica. Em Os Brutos o seu autor, ao invés do drama individual, privilegia um conjunto de tipos e situações bem característicos de uma cidadezinha do Interior, sua Currais Novos. Além do que, o ambiente propriamente rural, com os seus dramas, está fortemente visível nesta narrativa que tem como núcleo a própria contradição em que se afunda a sociedade semi-feudal: áreas de terras vastíssimas nas mãos de uns poucos proprietários numa relação de absoluta dependência entre os trabalhadores alugados e os coronéis; domínio político à custa, quase sempre, da força, da corrupção dos favores e do emprego público.

Os descendentes mais sensíveis, entre os quais incluí-se o próprio Bezerra Gomes, ficam atônitos ao travarem contato com as coisas do espírito e as atrações mundanas das cidades onde são mandados a estudar, quase sempre, Direito. Esta complexa situação está por inteiro, aliás, em Por que não se casa, doutor?, livro de 44. Embora de natureza urbana, não será esse menos regionalista, uma vez que os elementos que o tipificam, têm como referencial a profunda nostalgia do protagonista/narrador, filho de gente do interior.

Bacharel frustrado e em permanente conflito consigo mesmo sabe-se impotente para, por um lado assumir-se citadino, ocupando à custa de esforço e até de arrivismo, se for o caso, o seu lugar na sociedade. Por outro lado, não se sente capaz de retornar depois de formado, conforme idealizara o pai, para dar segurança à mãe, na velhice da mesma. Tal indefinição leva o protagonista ao terreno da paranóia doença aliás, que perseguiu o autor ao longo de 40 anos e que ressalta no seu último livro da ficção: A Porta e o Vento, publicado pela Fundação José Augusto em 76 o que nos obriga a, inevitavelmente, fazer aproximações da sua ficção com a biografia e a memória.

Os três livros compõe, sem dúvida, um painel que, se não corresponde ao que se chegou a classificar como esboço de um novo ciclo dentro da nossa literatura regionalista, um possível "Ciclo do Algodão", revela com certeza a existência de um ente dominado por certo desengonço psicológico, indeciso, intimidado diante dos desafios que se apresentam e que, em razão da extrema sensibilidade não teria como adequar-se ao contexto do sertão patriarcalista. Aquele que, como no verso já citado, de Bandeira, podia ter sido e que não foi. Menino puro que sucumbe em meio a esse turbilhão de problemas, submergindo e emergindo da loucura, sem saber, eterno inseguro, a que colo recorrer: se a da mãe/nossa senhora, se o da amada/prostituta ou mesmo o que parece mais provável, o da mãe-terra, para o descanso definitivo.

(Tarcísio Gurgel in Informação da Literatura Potiguar - Natal, 2001)

 

Obras

 

Suas principais obras são: Os Brutos (romance, 1938), Por Que Não se Casa, Doutor? (romance, 1944), A Porta Vento1974), Antologia Poética (poesia, 1975). (romance,

 

Extraídos de

A POESIA E O POEMA DO RIO GRANDE DO NORTE

de Moacy Cirne. (Natal: Fundação José Augusto,1979)

 

 

CIRCO

 

Hoje  Hoje

grande

estréia

do grande

Circo

Tom Mix

 

Adiado o

espetáculo...

 

O palhaço

fugiu...

 

Aviso ao

público...

 

 

 

SURPRESA

 

Vi

minha

casa

 

Olhei-a

olhando

 

Olhei

olhando

para mim

 

 

 

DIÁLOGO

 

— Maria

 

—José

 

 

 

TODOS

 

Irmãos

 

 

 

LIMITE

 

Marido e mulher

 

 

 

SEMPRE SÁBADO

 

Naquele

sábado

a música

daquele

sábado

 

Mealheiro

Meu avô
a camisa por cima da ceroula
no mourão
da porteira do curral
de pau a pique
cheirando a estrume
Contando
os bezerros
novos
das vacas paridas
Minha avó
no santuário da capela
o rosário de contas
de capim santo
nas mãos devotas
Nos terços
nas novenas
de maio
o mês das flores
As espigas
de milho
verde
bonecando
nos roçados
Os algodoeiros
casulando
As ovelhas
malhando
na sombra
das quixabeiras
O rio
A cheia
A água
barrenta
da correnteza
transbordando
pelas vazantes do rio cheio
Os sapos
os cururus
cantando
dentro das noites
empoçadas
As tanajuras
Esvoaçando
na luz
das lamparinas
As flores
do mato crescendo
pelos caminhos orvalhados
rescendendo
Os meninos
gordos
de terra
sob a chuva
sob o inverno
se banhando
As veredas
trilhadas pelos preás
Os ninhos
dos concrizes
balançando
na copa das braúnas
As asas
dos urubus
pairando
paradas
no céu
encandeando
A barra das madrugadas
O aboio dos tangerinos
As alpregatas
de meu avô
arrastando
nas lajes do alpendre
do mundo
de minha infância.


Texto crítico


 

UM RESGATE AS MEMÓRIAS DE JOSÉ BEZERRA GOMES

 

Elaine Macedo Diogo (UFRN)

Ionara Monick Dias (UFRN)

Julyane Dagneysa (UFRN)       

Letícia de Souza (UFRN)

Regiani Maria Silva (UFRN)

 

 

Correspondendo à tradição que indicava ser o Rio Grande do Norte uma terra de poetas, a prosa, especialmente nos campos do conto e do romance, só viria a se firmar a partir dos anos 30.

Com base nesse comentário sobre essa fase inicial da ficção potiguar destacamos o Currais-novense José Bezerra Gomes, escritor de grande talento que mesmo tendo a saúde mental comprometida ainda na juventude chegou a produzir três romances (Os Brutos, de 1938; Por que não se casa Doutor?, de 1944 e A Porta e o Vento, de 1974).

Seguidor assumido do romance regionalista de 1930, os temas que se destacam em suas obras literárias são: a seca, o retirante, memórias do engenho e da injustiça social.

Segundo alguns estudiosos de sua vida e obra,

 

José Bezerra Gomes tinha a intenção de criar na literatura potiguar um “ciclo do algodão”, algo que se assemelhasse ao ciclo da cana-de-açúcar do paraibano José Lins do Rego. Contudo esse seu projeto nunca foi totalmente realizado (cf. GURGEL.2001).

 

Tudo leva a crer que a doença que comprometeu sua atividade intelectual teria sido a causa dessa não realização. Mesmo assim, ele se tornou um dos mais importantes prosadores do estado.

Tarcísio Gurgel enfoca um certo exagero em suas obras com relação a postura regionalista, contudo, há, visíveis marcas do seu talento, especialmente na amarga evocação da memória guardada com tanto zelo.

 

Mealheiro da Memória, uma das chaves possíveis para a leitura dos romances bezerrianos é o poema “Mealheiro”, transcrito em Informação da Literatura Potiguar, onde o eu lírico (ou seja: a personagem que fala no poema) discorre longamente sobre aspectos do sertão: a Casa Grande; os campos, durante o inverno; os pequenos animais; as personagens da sua infância: O avô, a avó, num belo resgate memorialístico (GURGEL, 2003).

 

Nesse trabalho, vamos analisar como essa manifestação da memória se dá em seu poema “Mealheiro”.

MEALHEIRO

 

Meu avô                                          A água                                   A barra das madrugadas                   

a camisa por cima da ceroula          barrenta                                 O aboio dos tangerinos

no mourão                                       da correnteza       

da porteira do curral                        transbordando                        As alpergatas

de pau a pique                                  pelas vazantes do rio cheio    de meu avô

cheirando a estrume                                                                         arrastando

                                                         Os sapos                                  nas lajes do alpendre                 

Contando                                         os cururus                                do mundo            

os bezerros                                       cantando                                 de minha infância

novos                                                dentro das noites

das vacas paridas                              empoçadas

                                                                                                                                       

Minha avó                                         As tanajuras

no santuário da capela                      Esvoaçando                    

o rosário de contas                            As tanajuras

de capim santo                                  na luz

nas mãos devotas                              das lamparinas

                                                                                 

Nos terços                                          As flores

nas novenas                                       do mato crescendo                                                        

de maio                                              pelos caminhos orvalhados                                                                 

o mês das flores                                 redescendo

 

As espigas                                          Os meninos

de milho                                             gordos

verde                                                  de terra

bonecando                                         sob a chuva

nos roçados                                        sob o inverno

                                                           se banhando

Os algodoeiros

casulando                                            As veredas

                                                             trilhadas pelos preás

As ovelhas                                          

malhando                                             Os ninhos

na sombra                                            dos concrizes

das quixabeiras                                    balançando

                                                            na copa das braúnas

O rio

A cheia                                                As asas

 

            O autor expressa em “Mealheiro” sua vivência no Seridó norte-rio-grandense, apresentando alguns elementos da cultura nordestina, fazendo a construção do poema através termos típicos do falar do nordeste brasileiro.  A expressividade do eu - lírico permite ao leitor vivenciar um pouco do que está descrito, isso ocorre através dos sentidos, que são aguçados dada a plasticidade do texto. A descrição detalhada e repleta de elementos que despertam o olfato, a audição e a visão, leva o leitor a uma experiência única: “cheirando a estrume”, “os cangurus cantando no meio da noite”, “As espigas de milho verde”. Cada sentido despertado revela uma lembrança própria, pois um som, cheiro ou um objeto tem o poder de levar o homem ao passado, revelando lembranças por vezes adormecidas.

            O vocabulário escolhido imprime as características do lugar e modo de viver da família do seridó do Rio Grande do Norte, fazendo conhecer um cotidiano simples e ao mesmo tempo rico. Simples pelo modo de viver do campo, mas rico pela a experiência dessa vida corriqueira e cheia de ensinamentos compreendidos com a figura do avô e da avó, que por si só expressam o caráter de sabedoria e de qualidade de vida. A descrição destas figuras denota um modo de viver que nos dias atuais é desprezado, o passado, presente na memória, torna-se uma resistência do autor à vida moderna. Assim Derivaldo dos Santos no ensaio “Memória: o exercício de humildade na poesia de José Bezerra Gomes.”, abarcou:

Ler a sua poesia é ver no espaço do agora, o mundo da infância do poeta, seu abismar-se no passado como saída possível da incômoda vivência do presente, vista aqui como sinal de resistência à insipidez e incompletude da vida moderna, no que nela há excessos. (SANTOS, 2010, p. 106)

 

            A revelação do passado com vistas no presente confere ao leitor a possibilidade de conhecer a infância do poeta, para que se faça a comparação com as incoerências da vida moderna, caracterizada pela correria e pela falta de humanidade. Contrária ao cotidiano mostrado no texto, que têm como característica principal a simplicidade e humanização dos integrantes da família do poeta. Ao abordar a religião: “Minha avó/ no santuário da capela/o rosário de contas/de capim santo/ nas mãos devotas”, além de apresentar um elemento da cultura nordestina, o autor, incita a humildade dos tempos de sua infância, por de fato a religião se tratar de uma representação de humilhação do homem a um ser superior. E a simplicidade é representada, entre outros fatos, a partir dos hábitos de seu avô: “As alpregatas/ de meu avô/ arrastando/ nas lajes do alpendre/ do mundo/ de minha infância.” O arrastar de alpregatas, permite inferir que o seu avô era um sujeito de hábitos simples e natural, despendido das extravagâncias do mundo moderno.

            A representação da realidade através do recurso da memória traz a vivência cotidiana do autor os aspectos de simplicidade e humildade enraizadas nas lembranças da infância. O título do poema representa de modo sugestivo a idéia principal do poema, pois o mealheiro é um objeto utilizado para guardar moedas, a fim de poupá-las. Dessa forma vão sendo depositadas as memórias no poema, que a cada representação das lembranças, estas são guardadas e poupadas no mealheiro do coração do poeta. O trajeto que a memória vai tomando no poema traz os significados que estão intrinsecamente ligados não apenas a vida do autor, mas carrega a identidade de um povo, o grupo social a que o poeta pertenceu na sua infância.

 

Lendo o poema, logo percebemos que ele abarca um tecido de identidades culturais e memória coletiva, ocupando-se do passado na mesma medida em que o traz para o presente. É assim que surgem aspectos da realidade nordestina: camisa por cima da celoura, mourão, porteira do curral, cheiro de estrumes, bezerros e vacas paridas, a dizer-se como tecido de identidade e cultura que nunca para de acontecer na realidade circundante do poeta. (SANTOS, 2010, p. 109)

 

            As memórias do coletivo são representadas pela identidade cultural do poeta, movimentando o passado através do presente em um cotidiano circular do povo do seridó do Rio Grande do Norte, por está sempre se renovando através da memória individual e coletiva. Assim com as expressões do poema a cultura nordestina é compreendida em seus aspectos mais relevantes que é o da simplicidade de um povo de fé e de orgulho de sua identidade cultural. A relação do homem nordestino, representados pelo o menino do poema, com a natureza, com os anciãos e com a vida, mostra o caráter espontâneo do homem para com o respeito ao indivíduo e a vivência em conjunto.

            O poeta José Bezerra Gomes agregou em seu poema “Mealheiro” elementos que identificam o cotidiano do homem nordestino, revelando os ideais e o estilo de vida do sertanejo. A cada memória da infância do autor apresentada no poema, é evidenciada a voz dos nordestinos e as especificidades de sua região, dialeto e cultura. Dessa forma, o autor consegue levar, em poucas palavras, o leitor a experimentar um pouquinho das experiências por ele vividas em sua infância.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

GURGEL, Tarcísio. Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte/ Tarcísio Gurgel, Vicente Vitoriano, Deífilo Gurgel. João Pessoa, PB: Editora Grafset, 2003.

 

IN: Dizeres Díspares: Ensaio de Literatura e Lingüística/ Derivaldo dos Santos, marise Adriana Mamede Galvão, Valdenides Cabral de Araújo Dias (orgs). João Pessoa, PB: Editora Idéia, 2010.

 

SANTOS, Derivaldo. Trama de um Cego Labiritno.